A noite de São Paulo me dá um nó na cabeça. Mas um nó tão grande que eu acho mais fácil optar por não sair, às vezes. São tantas as alternativas que um bom filme na TV ou um jantarzinho com a patroa/família cai melhor do que fila pra entrar, fila pra sair, ambientes cheios e demais etcéteras.
Mas São Paulo teve um lugar que não me deixava dúvidas: Apê 80.
O Apê 80 foi uma experiência única em São Paulo. Uma cobertura duplex na Peixoto Gomide, região do baixo Augusta, que virava uma balada.
Muita gente morou por lá. Mas acho que posso chamar de “núcleo duro”: Junior Bellé, Pablo Marcondes (o Urso), Luis Rodolfo Lopes e Felipe Garret, que foram os que ficaram mais tempo na morada.
Posso contar, por cima (porque é uma cobertura, afinal), umas 40 pessoas envolvidas de alguma forma com os eventos: dando idéias, produzindo, decorando o ambiente, tocando, ficando na porta, limpando o banheiro, dando uma força no bar… o trabalho era coletivo e cada um fazia o que estava ao seu alcance.
Produzi, com o meu camarada e parceiro de Sambarbudo Project, Pedro Henrique Araújo, alguns shows no Apê 80. Não me lembro de quantos e nem do primeiro, mas alguns nomes que levamos ao Apê: Los Porongas (acrianos residentes em São Paulo), Los Pirata (com André Abujamra de convidado surpresa, tão surpresa que nem a gente sabia), os argentinos do Violentango, Pélico, Bárbara Eugênia, e Rogerio Skylab, entre muitos outros.
E todos os artistas, sem exceção, vieram falar depois da vibração diferente que existia no Apê 80.Afinal, não era uma balada, com todos aqueles problemas inerentes à uma baldas. Era uma casa, um apê. E tal qual uma casa, todos eram bem recebidos e não tinha estresse. Os (pouquíssimos) problemas que pintavam eram resolvidos ali, na conversa e na tranqüilidade. Sempre vai ter um sem noção que vai ultrapassar algum limite, em qualquer lugar.
Rogerio Skylab me confidenciou que nunca tinha tocado suas músicas escatológicas e impactantes tão perto da sua audiência. Afinal, o Apê 80 não tinha palco e as bandas tocavam numa espécie de sala que havia no segundo andar. Skylab cantava e olhava nos olhos dos seus ouvintes numa proximidade de aterrorizar. Ele e a platéia.
Os artistas sempre se sentiam à vontade para chamar participações especiais. E isso acabou, sem querer, se tornando quase que uma regra. Em, sei lá, 80% dos shows houve alguma participação, por mínima que fosse. No dia dos Los Pirata, por exemplo, foi muito bom ver o André Abujamra chegando, com sua guitarrinha nas costas, esbaforido porque o show já havia começado.
Por isso que o Curumin se sentiu tão a vontade que, nas duas vezes em que tocou no Apê, fez shows de quase três horas de duração.
Essa era a vibe do Apê 80.
Na verdade, essas cerca de 40 pessoas têm todo o direito de se sentirem um pouco donas do negócio. Não haveria como receber um público de mais de 100 pessoas num apê sem mínimo de preparação e de estrutura.
Com o tempo, o Apê 80 foi mudando, o que é normal em todo negócio, principalmente num negócio que não seguia regras mercadológicas. O que importava ali era a reunião entre amigos e os bons sons. Depois que algumas pessoas saíram do apê, acabei me afastando da produção e acho que nem voltei lá somente como platéia. Mas o que fica na memória é: sim, é possível juntar gente interessada e interessante e fazer um baita barulho, unindo música nova e boa com uma vibe que – me perdoem, promotores e eventos – nunca vai se repetir.
Vida longa ao Apê 80. RIP Apê 80.