Nem tchu, nem tchá! A música popular já foi mais letrada

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Não tenho absolutamente nada contra a atual música verdadeiramente popular brasileira. Acho que Luan Santana, Gusttavo Lima e afins cumprem o seu papel na diversão da rapaziada que é interessada nesse tipo de música. Quem não gosta, que vá ouvir outras coisas e está tudo certo.

Mas não há como negar que as letras estão com um conteúdo cada vez mais pobre. É muito tchê, tchu, tchetchereretchetchê e lerê lerê! Se por um lado a letra ganha musicalidade, parece que os compositores voltaram para o gugu-dadá! Estão aprendendo a falar e entre um tchê e um tchu colocam ali uma pitada de uma frase inteira.

E é claro que nem sempre foi assim. Aqui, três exemplos de que a nossa música popular já foi mais letrada e soube falar difícil sem ser pedante:

Minha Filosofia
Compositor: Aloísio Machado

Na voz de Alcione, a letra de Aloisio Machado não economiza na língua portuguesa.

Na segunda estrofe, o autor se desculpa pela “redundância”, utilizada no primeiro verso, e ainda propõe “entrelinhas” para o ouvinte entender o que está sendo dito.

Jornal da Morte
Compositor: Roberto Silva

Roberto Silva nos deixou recentemente, em setembro de 2012. Com 92 anos, ainda mantinha sua rotina de shows e, neles, cantava a sua “Jornal da Morte”. Além de uma ótima (e, porque não, bem humorada) crítica social, ainda colocava um “bicheiro assassinado em decúbito dorsal” no meio da letra.

A música já ganhou ótimas regravações com a Nação Zumbi e com o Casuarina, que contou com o vocal do próprio Roberto Silva numa gravação ao vivo.

Positivismo
Compositores: Noel Rosa/Orestes Barbosa

Aqui o papo é filosófico! E são tantas as referências históricas que a coisa pode desandar. Então, vou reproduzir a letra toda:

A verdade, meu amor, mora num poço
É Pilatos, lá na Bíblia, quem nos diz
E também faleceu por ter pescoço
O (infeliz) autor da guilhotina de Paris

Vai, orgulhosa, querida
Mas aceita esta lição:
No câmbio incerto da vida
A libra sempre é o coração

O amor vem por princípio, a ordem por base,
O progresso é que deve vir por fim.
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim

Vai, coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante

A intriga nasce num café pequeno
Que se toma para ver quem vai pagar.
Para não sentir mais o teu veneno
Foi que eu já resolvi me envenenar!

Bíblia, Revolução Francesa, câmbio (economia), Positivismo (Comte), juros, dívida, desilusão… está tudo aí na letra da dupla de compositores.

O positivismo é a corrente filosófica, idealizada pelo francês Augusto Comte, que serviu como base para a proclamação da República e inspirou a frase que consta em nossa bandeira. E isso, somado às referências acima, deu num belo samba, clássico.

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