A compulsão pelo furo jornalístico chegou aos blogs

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Discutir blog hoje em dia é praticamente coisa do passado. Já se sabe quase tudo sobre essa ferramenta: Que começou apenas como diários virtuais de adolescentes, depois passou a ser coisa séria, utilizada por gente “importante” (seja lá o que isso signifique), etc.

Mas quando se liga as tags “blog” e “jornalismo”, muito se tem a discutir ainda. Não é assim, fácil, abrir um blog com conteúdo ou intenções jornalísticas. Ok, eu me sento aqui em minha cadeirinha, com o computador à frente e começo a escrever. Mas como fazer o trabalho, já que não terei uma equipe me dando suporte? Não terei um estagiário pra fazer escuta, ler outros blogs e sites de notícias ou simplesmente checar uma informação. Não terei um editor, que possa me orientar no encaminhamento de uma pauta ou me tirar uma dúvida. Sou eu mesmo. Eu-editor, eu-pauteiro, eu-redator.

Agora, originada em um blog, a notícia da brasileira supostamente agredida por neonazistas na Suíça está causando correria em algumas redações. Correria e estranhamento.

Correria porque a notícia aparentemente não bate com o fato, o que é inconcebível. Ora, se a notícia serve para dar publicidade a um fato, como podem as duas andarem tão separadas como nesse caso? Afinal, a brasileira estava ou não grávida? Exames mostram que não e a família diz que sim. Ela foi ou não agredida? Evidências mostram que não e a família diz que sim.

Estranhamento porque a noticia veio de um blog. E um dos mais conceituados do Brasil, dado como exemplo nas academias de jornalismo do Brasil afora, que é o Blog do Noblat. Ele que recebeu o relato do pai da (agora suposta) agredida, com direito a fotos, que foram reproduzidas a rodo. Na Folha de S. Paulo, o crédito “Blog do Noblat” aparecia no canto superior direito das imagens de uma mulher toda marcada por selvagens neonazistas suíços.

Então, recapitulando a história. Um blogueiro, dos mais lidos, comentados e valorizados do Brasil, recebe um e-mail do pai de uma brasileira que mora na Suíça. Nele, há o relato de uma agressão, que a fez inclusive perder o bebê que estava esperando. Há fotos da brasileira após o ato. O blogueiro, então, pensa: “Bom, é o pai. Há fotos. Vou publicar antes que chegue nas mãos de mais gente!”. E publica. Todo aquele procedimento que citei linhas acima é esquecido. Apuração para quê? É o pai! Ele deve saber do que está falando…

Não coloquemos aqui em julgamento a índole da brasileira ou ainda a sua saúde mental, isso não vem ao caso aqui, deve ser avaliado depois e a imprensa nos dará o resultado. A discussão aqui é: Confiar ou não no que se publica em blogs, por mais conhecidos que sejam? E mais: Os blogs devem seguir o mesmo trilho dos jornais impressos e correr sempre atrás do furo jornalístico, ser o primeiro a dar as últimas?

Creio que esse não deva ser o intuito de um blog. Já que temos espaço, temos liberdade, que tenhamos tempo também. Quem quer saber notícias frescas, de fatos que acabaram de ocorrer, vai até o G1, o Último Segundo ou a Folha Online. E não para blogs.

E mais: A mídia dita convencional não deve ficar atrás de blogs. Pelo menos não cegamente, como aconteceu. O Noblat publicou? O azar é dele. Numa redação de um jornal tem de se apurar, ligar na Suíça, correr atrás do embaixador… o que for.

Noblat segue em seu blog como se nada tivesse acontecido. E ainda coloca uma enquete no ar, que pergunta: “O que você acha que aconteceu com a advogada Paula Oliveira em Zurique?”. Ora, Noblat! Se você, que deu a notícia, não sabe, eu é que vou saber? Agora uma notícia que mobilizou as embaixadas nos dois países, causou polêmica no mundo inteiro, vira uma simples enquete? Então é o leitor que vai resolver o caso, como se fosse um “Você Decide” virtual? Não é assim que funciona, Noblat. E o mais curioso é que no seu livo “A Arte de Fazer um Jornal Diário”, tido como referência em qualquer curso de jornalismo, você ensina o que e como fazer. E ainda insinua por várias vezes que jornalistas recém-formados pensam que sabem tudo, mas deveriam aprender mais.

O Noblat não é perfeito, assim como nenhum outro jornalista no mundo. Mas eu acho que ele poderia ter ido dormir sem essa. Era só seguir o que ele mesmo escreveu. E aprender mais.

16 comments

  1. Excelente alfinetada, Marcos.

    Ja consigo ate ver os defensores dessa tal “NOVA MIDIA” te lembrando que tu tambem tem um “blogspot”, e que por conta disso, tu esta a “trair o movimento blogosferico” ao questionar tua conduta.

    Pra eles, antes o corporativismo burro do que uma critica sensata e reflexiva sobre os colegas.

    Abs

  2. Po, não tem um link pro Blog do Noblat.

    Gostei do texto e tudo mais, mas se quer falar dos outros, tem que no mínimo fazer direito né…

  3. Um comentário completo seria longo, afinal o post tem muita informação, mas vamos devagar.

    Acho que absolutamente tudo na vida depende da “intenção” do autor. O Noblat quando escreve seu blog, tem claramente uma intenção jornalistica e portanto, deve seguir as boas práticas ensinadas na academia. Na verdade os jornais “de verdade” também deveriam seguir, mas este é outro assunto.

    Por outro lado, EU, que não tenho nenhuma intenção profissional ao redigir minhas mal-traçadas, tenho a liberdade dos ignorantes de falar sobre o que não entendo para pessoas que sabem menos ainda.

    Dividimos um mesmo meio, mas como temos objetivos divergentes -e o público percebe isso- podemos ter posturas totalmente diferentes quanto a ética jornalistas. Ele deve seguir, eu não.

    Na verdade, ai está a graça da internet. Um mesmo meio torna-se suporte para 1) um jornalista profissional exercer a sua profissão 2) um qualquer exercer seu direito de falar em público.

    Será que só eu vejo a diferença ?

  4. Concordo com seu ponto de vista, excelente análise. Mas lembro também que a notícia seria dada da mesma maneira se fosse feita por um jornalista “padrão”. Não precisa ser blogueiro pra ter um ego desse tamanho e querer o “furo” a qualquer custo. Não é a primeira vez que acontece, acontecia antes de inventarem blogs.

    A afobação diante da notícia bombástica, a vaidade intrínseca de todo ser humano (blogueiro, jornalista, marceneiro) e a não apuração também são erros cometidos por jornalistas formados e que trabalham como manda o figurino.

    Um grande abraço.

  5. Eu mesma fiz alguma coisa errada e o comentário anterior foi removido. Era um link do MrManson, o caçador de patos…eehhehe

  6. Ué, eu não removi não. Lembro até que entrei no link ontem… eita! :)

  7. Oi, T3CHM4N. Sua crítica é válida, lógico…

    Mas eu não pus o link de propósito mesmo. Pensei em pôr, mas na hora de publicar eu tirei. É regra da casa não ficar indicando qualquer coisa pras poucas pessoas que passam por aqui! :)

  8. Muita lucidez e discernimento em um caso polêmico. Parabéns pelo post que “bota” a gente para pensar.

  9. Não concordo. O que rolou foi simplesmente uma reviravolta no caso. Como já ocorreram em várias outras coberturas jornalísticas que não foram pautas por blogs, como no caso dos Nardonis, da Suzana Von Richtoffen, ou até mesmo da Escola de Base. E puxei estes três exemplos justamente para que ponha a mão na cabeça e questione-se se jornalista é mesmo esta raça que age tão corretamente como deixa a entender seu texto. Um e-mail de qualquer pessoa de confiança de qualquer editor de jornal geraria uma pauta sem o menor problema. Aliás, foi um e-mail de uma amiga de Paula que pautou o Jornal Nacional de ontem a noite. E não lembro de ter visto ninguém da família de Paula confirmando se ela enviou ou não uma fotografia captura no Google, como se o Google não indexasse fotografia da vida pessoal de seu ninguém. Bastava ela ter colocado a foto da ultrasonografia no Orkut dela que a mesma já aparecia no Google Images.

  10. Discordo. Dizer que os blogs não têm menos condições de fazer uma apuração decente por não terem uma equipe de apoio é ignorar a realidade precária dos veículos de mídia tradicional, principalmente os sites de notícias. Muitas vezes, você tem um único repórter apurando várias pautas simultaneamente, ouvindo uma única fonte por notícia, e olhe lá.

    O post do Noblat não fez uma apuração pior do que a de qualquer outro veículo de mídia (é bom lembrar que a própria Folha já noticiou uma gravidez inexistente: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/criticadiaria/ult10000u309726.shtml). E, aparentemente, não é verdade que o pai da brasileira tenha sido a única fonte da história: tanto o post do blog como as primeiras reportagens publicadas sobre o assunto citam também o Itamaraty.

    Agora, é muito fácil dizer que a moça não estava grávida e ainda tinha histórico de mentiras; ninguém sabia disso na ocasião. É bom lembrar que a polícia suíça demorou dias para dar um posicionamento oficial e revelar as suspeitas sobre a gravidez da moça — e, mesmo assim, provavelmente por conta da pressão da mídia e do governo brasileiros.

    A história da brasileira ferida que afirma ter abortado após um ataque de skinheads na Suíça viraria notícia em qualquer veículo, tendo sido descoberta por um blog ou pelo Jornal Nacional. Editor de redação ou de blog, ninguém recusaria uma história como essa.

  11. Sabe fazer o papel de julgador E bem menos complicado. Eu acho que se um pai chegasse para mim com fotos, e essa historia eu também teria publicado.

  12. Fausto: Concordo com você. Mas fico triste ao constatar então que um mal do jornalismo está passando para os blogs. A pressa e a desculpa esfarrapada ao errar. Quanto às fontes, você não acha que o pai da brasileira e o Itamaraty são fontes do mesmo lado da moeda? Cadê o chefe de polícia de Zurique? Noblat ouviu algum dirigente do partido acusado? Até o embaixador da Suíça serviria, mas não existiu na “apuração” de Noblat.

    Cilene: O papel de julgador é fácil. O PT que o diga. Mas não me coloco nessa posição. Estou aqui somente questionando coisas que não vi ninguém questionando. Isso não é uma “reviravolta do caso”, como comentou o Marlos, acima. É irresponsabilidade. E digo pra você com toda a certeza do mundo: eu não teria publicado.

  13. Admiro os profetas do passado. Eles não erram uma. É verdade que apuram mal com muita frequência. Não publiquei a história de Paula com base em um e-mail que recebi do pai dela. Entrevistei o pai longamente. Entrevistei Paula. Ouvi a cônsul-geral do Brasil em Zurique. Ouvi a madastra, a irmã e uma amiga de Paula. Não ouvi a polícia porque ela se negou a falar até com a cônsul. Pedi e recebi fotos de Paula grávida e de Paula mutilada. Só então publiquei. O resto da mídia fez o mesmo em seguida. Essa história ainda não terminou – e não sei como terminará. Noblat

  14. Olá, Noblat.

    Eu também gosto de profetas do passado. Ainda mais quando falam de um problema que é passado e presente. E pode ser futuro também se essas atitudes permaneceram as mesmas.

    Não quero entrar no mérito de ficar avaliando as suas fontes nessa história, até porque não sou ombudsman de nada, nem algo parecido. Mas ainda tenho em mente que todas essas fontes, inclusive a cônsul-geral do Brasil em Zurique, estão de um mesmo lado da história, o da brasileira. O famoso “outro lado” não foi ouvido.

    E é lógico que a mídia se esbaldou com o seu blog. Afinal, que jornalista em que redação deixaria de acreditar num post seu? Mergulharam de cabeça e o que era para ser apenas uma mentirinha publicada num blog se tornou mais uma vergonha para a imprensa brasileira.

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